sexta-feira, 29 de abril de 2011

ARMED – poema de António Rodrigues Rocha

ARMED, 14 de Abril de 2011


SAM_0086Na ribeira de Imlil,
Pés de crianças
Chapinham seus sonhos
Nas águas revoltas…

E a Lua,
Opulenta,
Na noite de Armed
Acende o esplendor
Dos cumes nevados.
Na gite d’étape,
Rescendendo,
Diáfana,
Sublimados
Eflúvios
De óleos de Argan,

Viandante errante
Perscruto o silêncio,
Torturado,
                                                                 Na angústia
                                                                 Da longa vigília…

                                                                 Pudesse eu, ó águas de Imlil,
                                                                 Partir convosco à desfilada!

                                                                 Pudesse eu, ó lua de Armed,
                                                                 Perder-me contigo nas altas montanhas,

                                                                 Libertar-me célere
                                                                 Desta solidão
                                                                 A que cruel sentença
                                                                 Me traz agrilhoado!

                                                                 António Rodrigues Rocha

terça-feira, 26 de abril de 2011

14 de Abril – A caminho do Vale Encantado, por Cristina Ribeiro

14 de Abril

A Caminho do Vale Encantado

Acordámos todos bem dispostos. Tinha sido uma noite bem dormida com a certeza do feito. Tomámos o pequeno almoço por volta das 8:30 h, já com as bagagens preparadas para partir.

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Depois foi arrumar os últimos retoques e descer em direcção a Sidi Garamouche.

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Os nossos sacos foram novamente levados pelos jovens carregadores até ao local onde deixava de haver neve. A partir daí, esse trabalho seria feito pelas mulas.

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Estava uma manhã gloriosa. O vento da montanha era agora quase uma aragem, à medida que íamos descendo e a temperatura ia subindo. Ao princípio, a caminhada foi ainda com neve, mas aos poucos esta foi escasseando, até desaparecer.

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Aí retirámos os mini-crampons que tínhamos colocado para nos auxiliar a descida e continuámos descomprometidamente até à aldeia onde seria servido o almoço.

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Sidi  Garamouche desenvolve-se em pequenos socalcos, em ambas as vertentes, dividida por um rio de montanha que neste momento corre em cascata devido ao degelo. Foi este rio que viemos sempre a acompanhar, praticamente desde que deixámos o refúgio, e que marca a riqueza verde e exuberante de todo o vale.

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Mais uma vez nos foi servida uma refeição maravilhosa composta de salada com ovo sardinhas e atum, regada a chá de menta como é obrigatório.  As meninas deixaram-se tentar pelas compras de pulseiras e panos e a Ana conseguiu fazer negócio com barras de Ovomaltine e rebuçados de Café. Aqui troca-se tudo por tudo.

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Depois do almoço continuámos a descer pela encosta, a caminho do vale encantado, guiados pelo Mohamed.

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Os dois dias que tínhamos passado no refúgio  pareciam ter acentuado o aroma de primavera que pairava no ar e que tinha feito florescer ainda mais as árvores de fruto, que em certos locais criavam um manto branco a lembrar aquela lenda algarvia da princesa do norte e o seu príncipe mouro.

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O verde e branco do vale contrastava com o tom acastanhado, quase cinza agreste, das montanhas. Este troço foi feito lentamente para poder usufruir de toda esta beleza natural e tirar montes e montes de fotografias.

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Chegados à aldeia fomos recebidos pelas crianças que vinham da escola, aos pulos e aos saltos, e que engraçaram particularmente com o  Rocha, talvez pelo seu ar de Avô.

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A aldeia de Armed encavalita-se nas encostas sobranceiras ao rio (de que nunca cheguei a saber o nome) num troço em que este se alarga pelas torrentes de sedimentos de pedras e rochas trazidos nas cheias. É composta por um intrincado de pequenas  ruas que subimos até ao “Gite d’etape” ou seja até ao abrigo que não é outra coisa senão a casa de Abdul, irmão mais velho de Mohamed, com quem contratamos a viagem.

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Este abrigo, decorado com tapetes e motivos berberes parece tirado de um livro de viagens exóticas. As camaratas têm várias camas, postas umas ao lado das outras, separadas por mesas baixinhas com vasos floridos, e animados por uma profusão de cores onde predominam os tapetes vermelhos nas paredes e chão.

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Tomámos, finalmente, aquele banho retemperador que o corpo já pedia sequioso. O meu foi tão quente, tão quente, que devo ter queimado a pele para tirar o “lixo” acumulado de três dias. Havia duche no abrigo, mas as condições não era convidativas.

Partimos para uma visita guiada em que o Abdul  fez questão de nos mostrar a sua aldeia. Antes de partir para a montanha, em Imlil, tínhamos entregue alguns presentes e materiais escolares, para as crianças da aldeia, que tínhamos trazido de Portugal, por sugestão do Jorge.  Agora, ao longo desta visita, íamos encontrando crianças que mostravam encantadas as suas pequenas prendas, verdadeiros troféus, num mundo, já quase desconhecido para nós, em que as coisas têm outro significado, e  em que uma pequena dádiva, um pequeno nada, toma a dimensão de um feito e se transforma no sorriso feliz de uma criança.

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Durante a visita Abdul foi-nos mostrando os vários locais de interesse: a padaria, o Hammam, a Mesquita e mais abaixo, um local de refúgio para os ricos e poderosos se esconderem do mundo, um hotel de cinco estrelas, onde segundo ele chegam a pagar 900 euros por noite. Parece-me exagerado e uma forma de engrandecer a sua aldeia, mas sem dúvida que o local é mágico. 

Quando regressámos ao albergue, para nossa  grande surpresa, fomos presenteados pela equipa que nos acompanhou, com écharpes e colares para as mulheres e lenços para os homens. Delicadamente, Lassil e os outros rapazes foram colocando as écharpes com diferentes cores, escolhendo muito a preceito aquelas que combinavam melhor com cada rosto e cada personalidade. Também o arranjo do lenço era diferente de pessoa para pessoa; uns mais enrolados outros menos, uns a tapar a boca outros não.

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O jantar final foi espantoso. Serviram-nos Harira (a sopa local) Cous cous de Frango e Tagin de Borrego com ameixas e amêndoas. Estava excelente! E surpresa final, depois do jantar os nossos guias e carregadores, armados de tachos, travessas e panelas  a fazerem as vezes de “instrumentos tradicionais” vieram cantar para nós melopeias berberes.

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Depois também nós os brindámos com música tradicional portuguesa: fado, claro e “Alecrim aos molhos”.

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No final todos dançámos e fizemos a festa e demos a tradicional gorjeta ao cozinheiro e carregadores (125 €). 

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Como a querer prolongar um dia perfeito, antes de ir para a cama, fomos ficando recostados nos divans da varanda coberta do albergue, a ver a lua, as estrelas e os recortes distantes do Toubkal e a contar histórias de montanha, sonhando já com novas aventuras.

NOTA: Fotos de Cacilda e Jorge

13 de Abril 2011 - Dia da Montanha, por Cristina Ribeiro

13 de Abril 2011

Dia da Montanha

Dormi mal, como aliás tenho dormido todos estes dias devido à altitude e à tosse que não me larga desde Lisboa, e não me deixa descansar. Por entre o entre-cortado do sono, os receios de não conseguir, à mistura com imagens de montanhas com névoas escurecidas, tenebrosas.

A partida ficou marcada para as 7:45h (…) Mas com atrasos e mais atrasos saímos eram quase 08:30h. O tempo está nitidamente a aquecer mas quando saímos a porta do abrigo, uma lufada de vento cortante fez marcar a sua presença, lembrando a todos que a montanha estava lá… À nossa espera.

Apetrechados e cramponados partimos, contornando o abrigo por trás em direcção à pendente. A subida é lenta. Lenta e custosa. Por indicação do Jorge, o Carlos ia mesmo colado ao guia e o resto do grupo prosseguia em fila, atrás. E lá fomos subindo, subindo devagar, ainda sem os raios de sol lamberem a encosta.


De hora a hora, o guia parava e dizia: “Cinque minutes!” Estas pausas sabiam a pouco, mas eram fundamentais para retemperar forças, beber água, comer uma barrita ou uma mescla de frutos secos que o nosso guia Mohamed providenciava.

Depois lá voltávamos a subir, cravando com força os crampons na neve dura. O André ia marcando o ritmo da subida: “Estamos a 3.850mt, agora nos 3.957”, à medida que lia a altitude no seu relógio… Já se sentia o sol a bater forte, quando chegámos ao topo da vertente que marca a base do Toubkal. Alguém disse: “É logo ali…” Ainda faltava tanto.



Continuámos a subir, contornando a montanha, seguindo trilhos particularmente difíceis e apenas conhecidos dos guias, pois nada os distinguia, pelo coberto da neve. Para além disto,os crampons afundavam-se, pois o sol já derretia e tornava a neve mole e esburacada.

Numa passagem particularmente estreita, enterrei o pé esquerdo até ao joelho e caí. De repente, vejo-me a escorregar, de cabeça para baixo, pela vertente. Num ápice, o Jorge faz segurança escachado na vertente, com crampons e piolet, travando a minha queda no precipício.

Literalmente, salvou-me a vida.

Logo, logo, os guias estavam a travar a neve com os piolets e a retirarem-me e ao Jorge daquela posição.
Com o susto apercebi-me de tudo: da altitude, do precipício, do medo, do cansaço… De repente aquela montanha estava intransponível. “O que é que eu estava ali a fazer?” Eu nunca iria conseguir dar nem mais um passo!

Foi como um zombie que continuei e continuei até ao topo. Depois de contornar mais uma rochas, finalmente começamos a avistá-lo – o Topo, o Toubkal – ao fundo de uma alameda de neve. Como nos filmes em que seguimos por um corredor que não termina, assim segui eu por aquela alameda, passo, atrás de passo, atrás de passo, que não mais chegava ao fim, com o topo à vista, sem conseguir lá chegar.

Uma voz ao fundo dizia: “Vamos para cume… Vamos para cume”. Era o Jorge que filmava e incentivava a dar os últimos passos. E assim chegámos todos ao Topo e conseguimos, e abraçámo-nos e chorámos, todos juntos, e ultrapassámos as dificuldades e ultrapassámo-nos, todos juntos.


Depois foram as tradicionais fotos com bandeiras várias.
A Ana fez questão de levar a bandeira do Sporting.


Também lá estava a da loja Bivaque e a Nacional, claro!


A melhor de todas foi a da Mª da Luz. Da mochila tirou uma que dizia:
- INÊS, A MÃE CONSEGUIU.


Comemos uma bucha rápida, sandes de atum que os guias arranjaram; mas a vontade era nula. Chegámos ao topo por volta das 14:00, tínhamos apanhado ventos de rajada de 49 nós, mas agora era preciso partir, era preciso descer.


A descida foi penosa. A neve estava mole e era preciso enterrar bem os crampons para não escorregar, baixando o centro de gravidade e inclinando para trás.  Este movimento trabalha fortemente os joelhos e é muito cansativo. Mas como, “para baixo todos os santos ajudam” o Carlos que estava exausto, depois da conquista do cume lá se recompôs e partiu encordado com o Mohamed.


Com o meu receio de quedas fui ficando para trás, acompanhada pela Rita e pelo André. (…) Finalmente todos juntos fizemos este último troço, marcado pela neve fofa que nos fazia enterrar e nos dificultava os movimentos.



Estávamos a chegar ao refúgio já o sol se tinha posto e tinha começado a nevar uma neve dispersa e fria como a marcar o final da jornada. Tinham sido seis horas a subir e quatro a descer. “Que dia!”


Depois de retirados os apetrechos, foi com dificuldade que fomos comer o “almoço” que estava preparado para nós. Arrumámos as coisas e fomos todos descansar um pouco até ao jantar, que foi servido às 20:30h.
E finalmente fomos para a cama, depois de darmos notícia do feito à Sandra, para o blog, e aos outros amigos e queridos que nos acompanham à distancia. Merecíamos o nosso descanso, tinha sido uma grande jornada.

NOTA: Fotos da Cacilda

12 de Abril 2011 – Dia de Aclimatação, por Cristina Ribeiro

Dia 12 de Abril

Dia de Aclimatação

A noite foi difícil: acordei várias vezes para beber água e vertê-la e tossir, tossir, tossir. Creio que até tive febre. Acordámos às 7:00 h, o pequeno almoço foi às oito.


Depois foi aquele apetrechar de botas, polainas, crampons, polares, fitas, luvas. 



Só partimos eram 09:25h. A ideia era fazer um dia de aclimatação subindo aos 3.700 mt para depois descer. Começamos a subir lentamente, ziguezagueando por uma pendente acentuada.



Com algum esforço conseguimos chegar ao cume previsto – Tizi n’Ouagane (impronunciável!!!) - por volta do meio dia.



Desta altitude pudemos avistar o lago Infni e várias encostas em socalcos. Em nosso redor eram só cumes recortados de neve e pedras. “Depois do esforço, a montanha compensa-nos sempre” disse o André, inspirado por tanta beleza.



Depois veio o mais difícil: descer.

A descida é muito mais técnica. Os Crampons têm que ser enterrados com o calcanhar e o bico para cima e uma ligeira inclinação para trás. O centro de gravidade deve ser mantido baixo, obrigando a um trabalho acentuado dos joelhos.



Iniciei a descida com alguma dificuldade e o António assustou-se com um escorregão que teve. A pendente acentuada fazia com que à mais pequena distracção, se deslizasse sem mais parar. Quando a pendente melhorou tudo ficou mais fácil e chegámos ao abrigo por volta das 14:00h.


Tirámos os apetrechos.



O almoço foi à base de muitos vegetais e arroz. Muito bem enfeitado o prato de salada de atum e o arroz com canela.



Passámos o resto da tarde, lá fora a gozar o sol, como lagartos e a tirar fotos, e lá dentro, em redor do computador, a tentar enviar fotos para a Sandra poder alimentar o blog.

Após o jantar preparámos as coisas para o dia seguinte. Deitámos-nos cedo antecipando o dia seguinte: era o ataque à montanha, o nosso objectivo.

O que é que a montanha nos iria reservar?

NOTA: Fotos da Cacilda

11 de Abril 2011 – A Caminho do Atlas, por Cristina Ribeiro

11 de Abril

A Caminho do Atlas

À hora combinada, 06:45 a Rita acordou e foi tomar banho.
Na véspera tínhamos retirado tudo das mochilas, espalhado em cima da cama e feito “a verdadeira selecção” deixando de tudo para trás. Polares a mais, calças de chuva, meias: “A montanha torna-nos simples e humildes”, disse a Rita depois de termos conseguido arrumar os nossos pertences numa única mochila para cada uma de nós e num saco à parte só com os crampons e as botas de montanha.
Depois do banho descemos para o pequeno almoço e de seguida fomos buscar a bagagem que iria ficar no hotel até ao nosso regresso.


Abduhl veio-nos buscar para nos conduzir a Imlil, já no Atlas, através de uma planície diferente dos arredores áridos de Marrakech, com diferentes cultivos e onde se notava a presença de água vinda das montanhas.



As montanhas do Atlas... Só as palavras fazem lembrar aventuras de heróis míticos, carregadas de intrigas e traições. Será isso que nos espera?

Em Imlil foi tempo de chá e bolos, e de carregar as bagagens nas mulas, e começar a subir. A partir daqui o nosso guia vai passar a ser o Mohamed, assistido pelo Lassil.


Este trecking inicial foi feito através de uma paisagem maravilhosa de árvores floridas; macieiras e nogueiras. As aldeias confundem-se com a paisagem rochosa e acastanhada. E a montanha traça o seu recorte branco por trás.


Subimos com bom espírito, bom ritmo e animação até Sidi Garamouche.



Aqui parámos para almoçar, bem e muito: massa com atum, tagin, sardinhas em lata e salada muito migadinha, como se faz no Algarve. Tudo sempre acompanhado de chá de menta, está claro.


Na aldeia o Imã chamou para a oração e os homens e mulheres foram-se aproximando e entrando, uns por uma porta e outros por outra, numa pequena mesquita construída em torno de uma enorme rocha pintada de branco, para assinalar o seu carácter sagrado. 



Depois foi colocar as mochilas, pegar nos bastões e recomeçar a subir. A dificuldade aumentou. Vamos subir de 2270 mt para 3307 até ao refúgio.


Começaram a sentir-se os efeitos da altitude; mas o ritmo é pausado, como é usual nestas progressões.


Quem aparentemente, sofreu mais com a altitude foi o Carlos, apesar da Maria também denotar algum cansaço. Eu ressenti-me da enorme constipação que tenho, com uma tosse cavernosa e dificuldades em respirar. Chegados ao ponto em que as mulas não puderam avançar mais, por causa da neve, uma equipa de quatro carregadores ajudou a levar as bagagens.


Finalmente, no meio da neve, avistámos o que vai ser a nossa casa nos próximos três dias.


Na aproximação já se sentia o efeito sério do cansaço e o Carlos sentiu-se francamente mal. O Jorge acompanhou os seus últimos passos até ao refúgio, incentivando-o.


Chegámos depois de um trecking de cinco horas e meia, tínhamos partido de Imlil às 11:00h. Tirámos as botas e roupas molhadas, para aquecer rapidamente. O Carlos teve que se deitar e ficar a descansar enquanto o resto da malta foi tomar um chá (o lanche do costume) antes de jantar.

O Refúgio do Toubkal é melhor do que eu esperava. Os quartos são camaratas, mas têm colchões e almofadas (que luxo).


O quarto onde ficámos dava para vinte e quatro pessoas. Tem duas boas salas de jantar e uma sala de convívio com lareira. Em baixo, os sanitários não são maus e, pasme-se, têm duche com água quente e tudo.


Como o refúgio também tinha internet, depois de muito esforço, lá se conseguiu enviar uma fotos e notícias para o blog. Jantámos sopa, tagin e yogurte à sobremesa e depois de novas tentativas na net, foi cama prá malta toda.

PS: Um extraordinário esquecimento meu. Deixei a peça de fecho do camelbag não sei onde. Espero poder beber água de garrafas, sem congelar.

Nota: Fotos da Cacilda