quinta-feira, 21 de abril de 2011

Recados das nossas crianças para as crianças berberes, por Jorge Ribeiro

A ideia era no fundo contrariar o conceito europeu de visitar África carregados de moedas e de notas e com um saquinho de rebuçados para presentear os meninos e meninos que sempre saem ao encontro dos turistas europeus vestidos de cores alegres e garridas.

Este contraste entre povos com culturas diferentes mas que, no que a Portugal diz respeito, no passado se entrecruzaram e estabeleceram relações aos mais diversos níveis, poderia, nos tempos de hoje, constituir motivo para aprofundar laços entre estes povos e, ao mesmo tempo, lançar caminhos de Futuro.

E foi assim que recolhemos por cá, na intimidade das nossas casas, bonecos, bonecas e brinquedos que, no passado, foram capazes de soltar sorrisos nos rostos das nossas crianças e de animar sonhos acordados e grandes aventuras. E aos brinquedos acrescentámos material escolar, para que o prazer da expressão gráfica pudesse acontecer, ao colorirem as folhas brancas com canetas e lápis multicolores, acrescentando vida aos materiais.

E com a colaboração activa dos nossos meninos e meninas se conseguiram reunir brinquedos europeus cheios de histórias por contar. E esta foi também uma forma de os ensinar a respeitar as diferenças e a gostar de Todas as crianças do Mundo.

São recados de amor entre crianças de diferentes continentes que servirão no futuro para o estreitamento de relações e para o estabelecimento de laços entre crianças de diferentes culturas e isso é, de facto, verdadeiramente importante.

E os brinquedos e o material escolar foram entregues por Pais portugueses a Pais berberes. E os Pais berberes, representados pelo nosso Guia Abde Lahe, com a sabedoria dos seus Avós, procederam à entrega dos presentes das crianças portuguesas às suas crianças berberes, em rituais de passagem, transmitindo ao mesmo tempo e com renovada dimensão todo o afecto posto na entrega dos presentes.


E as crianças adoram receber brinquedos... Adoram saber que existem e que os adultos se lembram e gostam delas. E por isso foram dias de festa na aldeia de Armed.


E depois de termos subido a Mais Alta Montanha do Norte de África, guiados pelos nossos amigos Mohamed e Lahsil, voltámos a uma aldeia em que as crianças davam vida aos brinquedos que tinham recebido.

Os bichos e os heróis desconhecidos animavam a vida destas crianças. As latas de atum com rodinhas davam lugar ao rei leão e aos bonecos e bonecas que alimentavam a imaginação destas crianças e que as fazia correr felizes pelas íngremes ruas da aldeia.


Armed tinha Vida! Armed tinha a Vida das crianças e tinha adultos felizes por verem as suas crianças felizes. E nós éramos os homens e mulheres que, de Portugal, tínhamos viajado até lá para lhes levar presentes e espalhar sorrisos e éramos reconhecidos como Amigos de Armed. Foi, sem dúvida, um regresso feliz às Aldeias das nossas memórias, às Aldeias em que todos éramos solidários e genuinamente felizes.

E foi com os risos e os gritos das crianças que brincavam e corriam pela Aldeia de Armed que o Sol se escondeu, deixando que a Luz da Lua iluminasse as últimas correrias do dia e os sorrisos nos rostos das crianças. E os sorrisos não eram só das crianças presenteadas. Eram também de muitos bebés ao colo de suas mães e das mães, pais e avós. E nós já não éramos simples turistas éramos amigos dos filhos, dos netos, dos pais e dos avós. Éramos Amigos de Armed!

As cumplicidades aconteceram e o ambiente tornou-se verdadeiramente aconchegante. A tranquilidade de um pôr do Sol em África e na Montanha tomou conta de nós. E foi nessa “morabeza” que fomos surpreendidos pela aldeia de Armed.

O nosso guia Abde Lahe resolveu presentear-me, como líder da Expedição, com um geode, com um magnífico tapete berbere, com um chapéu e com um lenço que ele fez questão de me colocar na cabeça. E, assim, um a um, todos fomos presenteados com um lenço berbere que cada um dos nossos outros guias, cozinheiro e muleteiros lhes colocaram de acordo com a tradição berbere.

As meninas foram ainda presenteadas com colares multicolores. O ambiente era de festa. E a festa continuou com um magnífico jantar confeccionado pelo nosso cozinheiro, com entradas, pratos tradicionais berberes e magníficos doces a acompanharem um soberbo chá de menta.


E depois veio a música e a dança e o convívio entre gentes e povos. E foi único.


Fomos recebidos com o coração e isso sente-se em cada gesto. Passámos a existir naquela aldeia e naquelas gentes e aquela aldeia e aquelas gentes passaram a existir dentro de cada um de nós. E a noite veio e os nossos sonhos foram habitados por toda esta fantástica gente que sabe receber com a simplicidade dos homens e mulheres que guiam os destinos daquela aldeia berbere.


De manhã, depois de um magnífico pequeno-almoço, foi tempo de partir em direcção a Marraquexe e de olhar com a nostalgia da partida as Gentes que deixámos no seu mundo, um mundo cheio de tempo e ao mesmo sem a necessidade de ter instrumentos de medida. O tempo ali rege-se pelos elementos e os relógios apenas existem para a chamada para as orações e para a entrada nas escolas. Em tudo o resto o tempo é propriedade dos homens, mulheres, jovens e crianças que habitam a aldeia de Armed.


Este outro tempo renascia de dentro de nós, de novo povoado de belos e indizíveis Silêncios que passaram a habitar o álbum das nossas mais belas memórias.

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